
A passagem de João 8:1-11 relata-nos um episódio no qual Jesus foi requisitado para julgar o caso de uma mulher apanhada em adultério. Diz-nos a passagem que esta situação foi um teste feito pelos escribas e fariseus. Segundo eles, a lei de Moisés determinava que esta mulher fosse apedrejada. Perante esta situação, Jesus inclina-se e começa a escrever com o dedo no chão.
Todos sabemos que no final esta mulher não foi apedrejada porque nenhum dos escribas e fariseus ousou atirar a primeira pedra. Jesus também não condenou esta mulher, dizendo-lhe para partir e não voltar a pecar. Mas, afinal, o que escreveu ele na terra?
Existe um debate acerca da autenticidade desta passagem que não irei abordar neste artigo [1][2][3].
A passagem não nos diz o que estava Jesus a escrever. Alguns sugerem que ele escreveu uma lista de pecados dos que estavam presentes. Outros dizem que o facto de Jesus escrever remete para o episódio em que Deus escreveu a lei com o Seu dedo (Êxodo 31:18). Segundo essa interpretação, Jesus exalta-se acima da lei de Moisés, muda o castigo designado e restabelece a justiça com base na graça. Existirá outra explicação?
Na lei de Moisés existem duas referências ao pecado adultério:
Quando um homem for achado deitado com mulher que tenha marido, então ambos morrerão, o homem que se deitou com a mulher, e a mulher; assim tirarás o mal de Israel.
Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela,
Então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti.
Deuteronômio 22:22-24
Também o homem que adulterar com a mulher de outro, havendo adulterado com a mulher do seu próximo, certamente morrerá o adúltero e a adúltera.
Levítico 20:10
Estas duas referências são claras. No caso de adultério, tanto o homem como a mulher recebiam a pena de morte. Assim, podemos ver o primeiro problema no caso que foi apresentado a Jesus: apenas a mulher foi trazida. Onde estava o homem? Os religiosos que se afirmavam zelosos da lei, deixaram o seu zelo de lado na ânsia de encontrar em Jesus um motivo para o acusar. Mas, este não era o único problema deste caso.
Uma leitura atenciosa da passagem de Deuteronómio referida acima, mostra-nos que o homem e a mulher deviam ser levados à porta da cidade. Mas porquê? Era na porta da cidade que ocorriam os julgamentos. Lá estavam os anciãos legalmente encarregues de julgar o caso.
Relativamente à forma como o julgamento à porta da cidade devia ser feito, a lei de Moisés também prescreve algumas regras. Regras que serviam para garantir que o julgamento seria justo e que os acusados não acabariam condenados, mesmo sendo inocentes.
Quando no meio de ti, em alguma das tuas portas que te dá o Senhor teu Deus, se achar algum homem ou mulher que fizer mal aos olhos do Senhor teu Deus, transgredindo a sua aliança.
Que se for, e servir a outros deuses, e se encurvar a eles ou ao sol, ou à lua, ou a todo o exército do céu, o que eu não ordenei,
E te for denunciado, e o ouvires; então bem o inquirirás; e eis que, sendo verdade, e certo que se fez tal abominação em Israel,
Então tirarás o homem ou a mulher que fez este malefício, às tuas portas, e apedrejarás o tal homem ou mulher, até que morra.
Por boca de duas testemunhas, ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por boca de uma só testemunha não morrerá.
As mãos das testemunhas serão primeiro contra ele, para matá-lo; e depois as mãos de todo o povo; assim tirarás o mal do meio de ti.
Deuteronômio 17:2-7
Segundo esta passagem:
- Devem haver pelo menos duas testemunhas
- Devem ser as testemunhas as primeiras a atirar as pedras
Então, resumindo, quais eram os problemas legais com que Jesus se deparou nesta situação?
- Apenas um dos acusados estava presente: a mulher.
- Jesus estava no templo, não estava à porta da cidade onde deveriam ocorrer este tipo de julgamentos.
- Jesus não era um dos anciãos reconhecidos para julgar em Jerusalém e, por isso, não podia dar um veredito para este caso.
- Estariam entre eles, pelo menos, duas testemunhas verdadeiras? Segundo a lei, elas é que teriam que assumir a responsabilidade de atirar a primeira pedra.
Depois de escrever no chão, o desafio de Jesus foi precisamente esse: “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela“
Então, o que é que achas que estava escrito naquele chão, que impediu que alguém atirasse a primeira pedra?
A alternativa mais plausível é: a própria lei, que era suposto eles seguirem com rigor!
Quando confrontado com aquela situação, Jesus imediatamente percebeu todos estes problemas legais. Logo ele se baixou e começou a escrever-lhes a lei para lhes mostrar o pecado que já estavam a cometer e que ainda iriam cometer se atirassem a primeira pedra.
Esta foi uma questão recorrente no ministério de Jesus. Várias vezes, aqueles que se diziam doutores da lei acusavam Jesus e os discípulos de não a cumprir quando, na verdade, eram eles que não a cumpriam (exemplo: Marcos 7:1-13).
Certamente não foi a primeira vez que este homens reconheceram alguma vez ter pecado na vida. Mas foi a lei escrita na terra que mostrou a estes homens o pecado que estavam a cometer naquele momento e fez com que a sua própria consciência os acusasse. Se Jesus tivesse alterado ou desobedecido à lei nesta situação, teria sido ele a ser apedrejado! Os escribas e fariseus não lhe reconheciam tal autoridade, mas reconheciam a autoridade da lei de Moisés.